Cantinho da Inspiração


VIAGEM


estive fora
viajei na noite de aguaceiro
que o céu mandava
guiando-me por instinto
e por desejos
na estrada de tachões luminosos
deslizei cuidadoso
em meio a curvas e abismos
ansioso em rever os pedaços que deixei
entre luz e sombras
no distanciamento das minhas origens
voltei agora
diferente
mudado
mas em casa


CONSCIÊNCIA

no claustro
vendo a vida
sem passar despercebida
por uns tempos estive
para este estreito
que o sopro animou
voltei já com saudade
renascido do levantar tapetes
sombra e luz
de uma face mesma
consciente que respirar e amar
quase nos matam
na semelhança de um e outro


SEGREDOS

sem noção de horário
começa a noite
num céu habitado apenas pela lua
segredos velhos
novas respostas
silêncio repleto de aventura
explosão de hormônios
levantando os pelos
na troca de carinhos
no brincar brincadeiras novas
disparando reflexos de arrepios
ao modo antigo
cheiro forte
de perfume
de corpo
de êxtase
de repouso
de fumaça saída da boca
cheiro de noite inteira
e de neblina passando
antes de nascer o sol


SENSAÇÕES

em profusão
se manifesta  a vida
no lado de fora das grades
pelo lado de cá
entretanto
a alma empoeirada
mais se introverte
contando dias enuviados
no cárcere impronunciável
falar é pecado
para onde foram a folia
as zoações episódicas
os chistes de soltar o riso?
vou contar bem-me-quer
talvez encontre algum
que mal não me queira


INVERNIA

despertando o dia glacial
envolto num cachecol de nuvens
o sol ainda desbotado
para fora das sombras
lentamente os olhos põe
cauteloso como gato pisando n’água
enquanto isso
aqui
a lapitude nos meus olhos
quer impedir-me de abri-los
com mãos de gelo esfrego-os
tentando mandar o sono embora
no permeio dos ambientes
as quatro paredes lacrimejam
intermediando o contraste
com certeza
hoje será um dia de luvas


VIVÊNCIA

bebi da floresta o mistério
e na sala de espera da eternidade
abriu-se o infinito
na clareza de mil sóis
poucos
muito poucos
foram meus olhos
para a majestosa realidade perceber
a respiração me conduzia
na dança entre espírito e matéria
num piscar de olhos
abriram-se portais
e no monte sagrado
enquanto contados e pesados
meus dias de pedra
sentei-me frente ao tribuno
misto de severo e indulgente
que sentenciava
ver e não julgar para você
assemelha-se a respirar no vácuo
mas a matéria é o espírito quem conduz
com discernimento
e só se manifesta a intuição
na ausência do julgamento
há tempo de ver
tempo de ouvir
e precioso é o tempo de transformar
o colibri
mensageiro divinal
em cujos olhos
penugens violetas sobressaiam
volveu-me em suas asas
de icebergs meus pés brotavam
enquanto o Senhor do fogo
seu machado incandescente
dentro e fora de mim brandia
trazendo-me calor
acalento
amparo
e serenidade


VISÃO DO MUNDO

Para que possamos visualizar e experienciar o mundo com maior consciência e luz, é preciso aprender a incorporar o espírito ao nosso olhar, isto é, temos que alcançar a evolução de tal modo que aprendamos a percebê-lo pela luz do espírito, sem julgamentos de certo e errado, bem e mal, cientes, pois, que o espírito nada julga, nada anseia e nada teme.


BUSCADORES

Intrigante o que fazemos a nós e às nossas crenças, especialmente sob o aspecto religioso. Queremos sempre que nossos familiares, amigos, conhecidos e mesmo desconhecidos, compartilhem delas. Convidamo-los e tentamos persuadi-los insistentemente, sem dar-nos conta que estamos nos tornando verdadeiros “chatos de galochas”. Isto tem um significado, entretanto. Não o fazemos pela convicção plena de que é o caminho verdadeiro. Fazemos pela necessidade de acreditar que o é e, assim, buscamos aval na falsa sensação de que mais verdadeira se torna nossa crença quanto mais gente dela compartilhar. No limiar de nossa luz e nossa sombra, todavia, alheio à íntima persuasão, o eterno indagador insiste em nos perquirir e desafiar.